sábado, 3 de setembro de 2016

Russell Smith




"Troncos,... nodosos faziam tropeçar os nossos pés 
nos tentáculos mortos das suas raízes... Plátanos estacavam... 
E ao longe, entre árvore e árvore de perto, 
pendiam no silêncio das latadas os cachos verdes do nosso coco local...
 
O nosso sonho de viver ia adiante de nós, alado, 
e nós tínhamos para ele um sorriso igual e alheio, 
combinado nas almas, sem nos olharmos"-Fernando Pessoa

"Sem nos olharmos, sem sabermos um do outro
 mais do que a presença apoiada de um braço
 contra a atenção entregue do outro braço que o sentia.
 
A nossa vida não tinha dentro.
 Éramos fora e outros. 
Desconhecíamo-nos,
 como se houvéssemos aparecido às nossas almas 
depois de uma viagem através de sonhos...
 
Tínhamo-nos esquecido do tempo "-F.Pessoa   


"E o espaço imenso empequenara-se-nos na atenção.
 Fora daquelas árvores próximas, daquelas aguas afastadas,
 daqueles montes últimos no horizonte haveria alguma coisa de real, 
de merecedor do olhar aberto que se dá às coisas que existem?... 

Na clepsidra da nossa imperfeição
 gotas regulares de sonho marcavam horas irreais"-F.Pessoa


"Nada vale a pena, ó meu amor longínquo, 
senão o saber como é suave saber que nada vale a pena...
 
O movimento parado das árvores: o sossego inquieto das fontes; 
o aroma indefinível do ritmo íntimo das eivas
o entardecer lento das coisas, que parece vir-lhes de dentro 
a dar mãos de concordância espiritual ao entristecer longínquo" -F.Pessoa

"E próximo à alma, do alto silêncio do céu; 
O cair das folhas, compassado e inútil, pingos de alheamento,
 em que a paisagem se nos torna toda para os ouvidos 
e se entristece em nós como uma pátria recordada - tudo isto, 
como um cinto a desatar-se, cingia-nos, incertamente"-F.Pessoa 
"Ali vivemos um tempo que não sabia decorrer,
 um espaço para que não havia pensar em poder-se medi-lo. 
Um decorrer fora do Tempo, uma extensão que desconhecia 
os hábitos da realidade do espaço... 
Que horas, ó companheira inútil do meu tédio,
 que horas de desassossego feliz se fingiram nossas ali !"-F.Pessoa  
"Horas de cinza de espírito, dias de saudade espacial, 
séculos interiores de paisagem externa... 
E nós não nos perguntávamos para que era aquilo, 
porque gozávamos o saber que aquilo não era para nada.
 
Nós sabíamos ali, por uma intuição que por certo não tínhamos,
 que este dolorido mundo onde seríamos dois,
 se existia, era para o agora"-F.Pessoa

"Além da linha extrema onde as montanhas são linhas de formas,
 e para além dessa não havia nada. E era por causa da contradição 
de saber isto que a nossa hora de ali tinha nuvens 
como uma caverna em terra de imigrantes, 
e o nosso senti-la ela estranho como um perfil da cidade mourisca 
 Contra um céu de crepúsculo Outonal"-F.Pessoa
"Orlas de mares desconhecidos tocavam no horizonte de ouvirmos, 
praias que nunca poderíamos ver, lagoas quietas, e silenciosas,
e era-nos a felicidade escutar, 
até vê-las em nós, esse mar
 onde sem dúvida singravam caravelas, ou simplesmente, fonte de sede,  com outros fins em percorrê-lo que não os fins úteis 
e comandados da Terra". -F.Pessoa

"Reparávamos de repente, como quem repara que vive,
 que o ar estava cheio de cantos de ave, e que,
 como perfumes antigos em cetins,
 o marulho esfregado das folhas 
estavam mais entranhado em nós
 do que a consciência de o ouvirmos. 

E assim o murmúrio das aves, 
o sussurro dos arvoredos 
e o fundo monótono e esquecido do mar eterno
 punham à nossa vida abandonada
 uma auréola de não a conhecermos"-F.Pessoa
 







"Dormimos ali acordados dias, contentes de não ser nada, de não ter desejos nem esperanças, de nos termos esquecido da cor dos amores e do sabor dos ódios. Julgávamo-nos imortais... 
Ali vivemos horas cheias de um outro sentimo-las, horas de uma imperfeição  vazia e tão perfeitas por isso, tão diagonais à certeza rectângula da vida".-F.Pessoa


"Horas imperiais depostas, horas vestidas de púrpura gasta, horas caídas nesse mundo de um outro mundo mais cheio do orgulho de ter mais desmanteladas angústias... "-F.Pessoa
 "E doía-nos gozar aquilo, doía-nos... Porque, apesar do que tinha de exílio calmo, toda essa paisagem nos sabia a sermos deste mundo, toda ela era húmida da pompa de um vago tédio
, triste e enorme, como a decadência de um império ignoto..."-F.Pessoa



 "
Nas cortinas da nossa quarto a manhã é uma sombra de luz.
 De vestido arrastado num cerimonial no crepúsculo. 

Nenhuma ânsia nossa tem razão de ser.
 
Desenganemo-nos, meu amor, da vida e dos seus modos. 
Fujamos a sermos nós... 
Não tiremos do dedo o anel mágico que chama,
 mexendo-se-lhe, pelas fadas do silêncio 
e pelos elfos da sombra 
e pelos gnomos do esquecimento..."-F.Pessoa
 


"E ei-la que, ao irmos a sonhar falar nela, 
surge ante nós outra vez, a floresta muita,
 mas agora mais verde do nosso bosque, 
e mais triste da nossa tristeza"-F.Pessoa

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