"Troncos,... nodosos faziam tropeçar
os nossos pés
nos tentáculos mortos das suas raízes... Plátanos estacavam...
E
ao longe, entre árvore e árvore de perto,
pendiam no silêncio das latadas os cachos verdes do nosso coco local...
O nosso sonho de viver ia adiante de nós,
alado,
e nós tínhamos para ele um sorriso igual e alheio,
"Sem nos olharmos, sem sabermos um
do outro
mais do que a presença apoiada de um braço
contra a atenção entregue
do outro braço que o sentia.
A nossa vida não tinha dentro.
Éramos fora e
outros.
Desconhecíamo-nos,
como se houvéssemos aparecido às nossas almas
depois
de uma viagem através de sonhos...
Tínhamo-nos esquecido do tempo "-F.Pessoa
"E o espaço imenso
empequenara-se-nos na atenção.
Fora daquelas árvores próximas, daquelas aguas afastadas,
daqueles montes últimos no horizonte haveria alguma coisa de real,
de merecedor do olhar aberto que se dá às coisas que existem?...
Na clepsidra
da nossa imperfeição
"Nada vale a pena, ó meu
amor longínquo,
senão o saber como é suave saber que nada vale a pena...
O
movimento parado das árvores: o sossego inquieto das fontes;
o aroma indefinível do ritmo íntimo das eivas;
o entardecer lento das coisas, que
parece vir-lhes de dentro
a dar mãos de concordância espiritual ao entristecer longínquo" -F.Pessoa
"E próximo à alma, do alto
silêncio do céu;
O cair das folhas, compassado e inútil, pingos de alheamento,
em que a paisagem se nos torna toda para os ouvidos
e se entristece em nós como
uma pátria recordada - tudo isto,
como um cinto a desatar-se, cingia-nos,
incertamente"-F.Pessoa
"Ali vivemos um tempo que
não sabia decorrer,
um espaço para que não havia pensar em poder-se medi-lo.
Um
decorrer fora do Tempo, uma extensão que desconhecia
os hábitos da realidade do
espaço...
Que horas, ó companheira inútil do meu tédio,
que horas de
desassossego feliz se fingiram nossas ali !"-F.Pessoa
"Horas de cinza de espírito,
dias de saudade espacial,
séculos interiores de paisagem externa...
E nós não
nos perguntávamos para que era aquilo,
porque gozávamos o saber que aquilo não
era para nada.
Nós sabíamos ali, por uma intuição que por certo não tínhamos,
que este dolorido mundo onde seríamos dois,
se existia, era para o agora"-F.Pessoa
"Além da linha extrema onde
as montanhas são linhas de formas,
e para além dessa não havia nada. E era por
causa da contradição
de saber isto que a nossa hora de ali tinha nuvens
como uma
caverna em terra de imigrantes,
e o nosso senti-la ela estranho como um
perfil da cidade mourisca
Contra um céu de crepúsculo Outonal"-F.Pessoa
"Orlas de mares
desconhecidos tocavam no horizonte de ouvirmos,
praias que nunca poderíamos
ver, lagoas quietas, e silenciosas,
e era-nos a felicidade escutar,
até vê-las em nós, esse mar
onde sem dúvida
singravam caravelas, ou simplesmente, fonte de sede, com outros fins em percorrê-lo que não os fins úteis
e
comandados da Terra". -F.Pessoa
"Reparávamos de repente,
como quem repara que vive,
que o ar estava cheio de cantos de ave, e que,
como
perfumes antigos em cetins,
o marulho esfregado das folhas
estavam mais
entranhado em nós
do que a consciência de o ouvirmos.
E assim o murmúrio das
aves,
o sussurro dos arvoredos
e o fundo monótono e esquecido do mar eterno
punham à
nossa vida abandonada
uma auréola de não a conhecermos"-F.Pessoa
"Dormimos ali acordados dias, contentes de não ser nada, de não ter desejos nem esperanças, de nos termos esquecido da cor dos amores e do sabor dos ódios. Julgávamo-nos imortais...
Ali vivemos horas cheias de um outro sentimo-las, horas de uma imperfeição vazia e tão perfeitas por isso, tão diagonais à certeza rectângula da vida".-F.Pessoa
"Horas imperiais depostas, horas vestidas de púrpura gasta, horas caídas nesse mundo de um outro mundo mais cheio do orgulho de ter mais desmanteladas angústias... "-F.Pessoa
"
Nas cortinas da nossa
quarto a manhã é uma sombra de luz.
De vestido arrastado num cerimonial no
crepúsculo.
Nenhuma ânsia nossa tem razão de ser.
Desenganemo-nos, meu amor,
da vida e dos seus modos.
Fujamos a sermos nós...
Não tiremos do dedo o anel
mágico que chama,
mexendo-se-lhe, pelas fadas do silêncio
e pelos elfos da
sombra
e pelos gnomos do esquecimento..."-F.Pessoa
"E ei-la que, ao irmos a sonhar falar nela,
surge ante nós outra vez, a
floresta muita,
mas agora mais verde do nosso bosque,
e mais triste da
nossa tristeza"-F.Pessoa
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